segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Será moralmente errado dizer às crianças que o Pai Natal existe?

Para tomarmos as nossas posições, devermos primeiro esclarecer algo: o Pai Natal não existe = o Pai Natal é uma mentira = dizer que o Pai Natal existe é mentira. Até aqui todos concordamos (e perdoem-me se alguma criança esteja a ler isto, caso respondam NÃO). Agora passemos ao segundo passo: é moralmente errado mentir? Suponho que todos digam que sim, mas que alguns concordem que mentir em certos casos não é moralmente errado! Ou seja, desde que a mentira não fira outrem, não faz mal nenhum em mentir, principalmente se acrescido a isso vai ajudar alguém. Muitos psicólogos, até, afirmam que dizer que o Pai Natal existe é óptimo, pois desenvolve a criatividade e imaginação das crianças. Ou seja, mentir em certas circunstâncias é bom. Mas continua a achar que é sempre bom dizer a verdade? Nunca se deve mentir? Imagine-se que você tem um filho (criança) com cancro, prestes a morrer. Você sabe que ele vai morrer, mas a criança não tem bem a noção disso. O filho pergunta-lhe se irá morrer. Deve dizer que sim ou que não? Outro exemplo, dado por Kant: um assassino chega a sua casa e diz que quer matar o seu melhor amigo e quer saber onde ele está. Você sabe onde ele está e tem que dizer ao assassino se não ele mata-o a si e a toda a sua família e, eventualmente, acabará por matar o seu melhor amigo. Sabe também que se mentir ao assassino nada lhe acontecerá, pois ele acabará por ser preso. Que faria? Escolheria a verdade ou a mentira? *
Cheguei até este ponto para mostrar que nem sempre é bom dizer a verdade…e se uma mentira não magoa, apenas fará bem, porque razão contar a verdade? Mas aqui vêm duas objecções: a primeira é o facto de haverem 1001 mentiras que, tal como esta, farão bem mas que, no fim, acabarão por desiludir… Podemos dizer-lhes, às crianças, que magia existe ou que podem voar se forem boas pessoas, mas isso fará delas ultra-imaginativas, e nunca viverão totalmente no mundo real – acrescento uma objecção à objecção: é talvez demasiado repentino afirmarmos que demasiada imaginação é sinónimo de pouco realismo. A outra objecção (apresentada pelo Bragança, também, enquanto discutia com ele o problema) é o facto da cobrança da verdade… Temos que ensinar uma criança a NUNCA mentir; mas como poderemos ensinar-lhes isso se mentimos-lhes dizendo que o Pai Natal existe? Como podemos um dia mais tarde cobrar-lhe a verdade se eles têm o argumento do “Mas tu também me mentiste, dizendo que o Pai Natal não existe!”?
São duas opiniões distintas e com um “good point”. Pessoalmente, acredito que não é moralmente errado dizer às crianças que o Pai Natal existe. Assim como não acho moralmente errado mentir ao assassino, já que são mentiras cuja verdade estragará uma parte da vida da pessoa: no caso do assassinato, estragará a sua própria vida, no caso do Pai Natal, estragará uma boa parte da infância recheada de magia e imaginação. Por vezes, a filosofia não deve ser tão rude com os nossos actos; afinal, só é moralmente errado (opinião!) se é realmente mau. E não há nada de errado em dizer às crianças que o Pai Natal exista, mesmo nós estando a mentir, já que não ferirá os sentimentos de ninguém – o problema está quando elas se desiludem sabendo que ele não existe.

*Kant afirma que devemos dizer onde o nosso amigo está pois nunca, em caso algum, devemos mentir.

Motaz

Um comentário:

Guakjas disse...

Bom de facto está aqui um dos melhores artigos redigidos pelo meu caro amigo Motaz!
Está bem construído e leva-me a reflectir sobre a minha própria opinião!
Gostei imenso do argumento que deste (que a seguir transcrevo) "que você tem um filho (criança) com cancro, prestes a morrer. Você sabe que ele vai morrer, mas a criança não tem bem a noção disso. O filho pergunta-lhe se irá morrer. Deve dizer que sim ou que não?"
Mas esta questão não teve mais destaque ao longo do post porque esta não era a questão central. Isso poderá ficar para outro post ou para uma discussão particular (xD)
Não nego que os argumentos que deste a favor "de dizer às crianças que o Pai Natal existe" são convincentes pois "no caso do Pai Natal, estragará uma boa parte da infância recheada de magia e imaginação"

Mas acho que finalizas muito bem "o problema está quando elas se desiludem sabendo que ele não existe." Aí está o porquê de defender que não se deve mentir em relação a esta questão!

Bom texto!
Obrigado!

Abraço